A
NEUROBIOLOGIA DA RELIGIÃO
Joaquim
Fernandes*
Uma
nova disciplina científica, denominada Neurobiologia da
Religião, começa a dar os seus primeiros passos nos
meios académicos. A nova área de investigação
pretende identificar as zonas do cérebro que possam
estimular, deliberadamente, as sensações
transcendentes. As primeiras sugestões assinalam que as
experiências religiosas dependem de cada cultura e que
o cérebro criou a necessidade de experimentar o “mais
além” como parte do processo evolutivo humano.
A
nova disciplina, por exemplo, inspirou recentes
trabalhos de cientistas da Universidade da Pensilvânia,
nos EUA, que estabeleceram alguns mecanismos cerebrais
por que passam os místicos em estado de oração e
meditação. Sob a direcção do professor Andrew
Newberg, as experiências mostraram que o cérebro sofre
certas modificações que facilitariam ao sujeito a
sensação de unidade com o universo ou com entidades
supremas, como Deus, além de acompanhar vivências estéticas
e inefáveis, como ouvir música.
Para
os referidos cientistas de Filadélfia, o hemisfério
esquerdo do cérebro associa-se à imagem que o sujeito
tem do próprio corpo, enquanto o hemisfério direito se
refere ao contexto espacial e temporal em que se
desenrola a experiência. Quando se atinge um estado de
atenção profunda, o cérebro desliga-se das sensações
externas que alimentam essas regiões cerebrais,
propiciando a sensação de unidade com o cosmos, própria
dos místicos.
A
região límbica, por sua vez, está ligada aos
acontecimentos mais significativos da vida do sujeito,
evocando-lhe as sensações de beleza que são vividas
nessas situações. Esta “geografia cerebral”
constituiria um dispositivo prévio do cérebro,
inscrito no seu processo evolutivo, comum a todas as
culturas.
Estes
processos cerebrais, por vezes, podem ser activados por
uma enfermidade, como a epilepsia: Dostoiesvski, na
literatura, S. Paulo ou Teresa de Ávila, na religião,
podem ter sido assoberbados por sintomas epilépticos,
segundo estas investigações. Estas analogias são
reforçadas pelo testemunho de neurocirurgiões que,
durante intervenções,
provocaram, ocasionalmente, sensações ou estados místicos
nos seus pacientes.
Michael
Persinger, da Universidade Laurentian, no Canadá,
estabeleceu que, quatro em cada cinco pessoas podem ter
acesso a experiências “transcendentes” por meio de
estímulos externos. Concluiu-se que, cada um dos
sujeitos interpreta as situações de acordo com a sua
cultura.
Ao
volver a sua atenção para esta nova abordagem, que
rompe com limites antes estabelecidos, o CTEC pretende
participar num esforço conjunto, internacional, de núcleos
de investigadores de diferentes formações e convicções.
Ao oferecer as primícias destas novas perspectivas em
torno da também designada “biologia da crença”,
apenas nos move o sentido exploratório, determinado
pela aproximação à verdade: promover novas leituras
que possam ir além do tradicionais maniqueísmos
perturbadores da missão sagrada da investigação, eis
o nosso estímulo. Daí, o sentido do Projecto MARIAN
que o CTEC vem coordenando e de que já resultou uma
antologia única no género no panorama editorial
português. Propomo-nos continuar, cientes de que
“podemos estar longe da verdade, mas os seus inimigos
morrem mais cedo”.
* Professor universitário |